Irmão
X
O Espírito de Júlio Marques comandava
o pequeno agrupamento com critério e
bondade. Condutor paciente do
diminuto rebanho de companheiros espíritas-cristãos.
Duas vezes por semana, incorporado na
médium D.Maria Paula, orientava os amigos na
atividade evangélica. Ternura aliada
à experiência, firmeza conjugada à abnegação.
Conflitos e dificuldades morais
ecoavam nele de modo particular, arrancando-lhe
palavras iluminadas de benevolência e
candura, a deslizarem nas alheias feridas por
bálsamo de esperança.
Numa das noites em que lhe
compartilhávamos a responsabilidade, à feição de
apagado trabalhador da retaguarda,
notamos a presença de jovem senhora na
assistência. Identificava-se por Dona
Clara. Dama inteligente, distinta. Punha os
pensamentos à mostra na conversação
espontânea. Insatisfeita. Inquiridora.
Tão logo notou Marques encerrando o
comentário edificante, pespegou-lhe
interrogação à queima roupa:
-Irmão Júlio, posso pedir-lhe uma
orientação?
O interpelado respondeu humilde:
-Sou deficiente demais para isso;
entretanto, estou nesta casa para servir...
E o entendimento continuou:
-Desejo formar um grupo espírita, de
acordo com o meu ideal...Acha o senhor
que posso pensar nisso?
-Sem dúvida alguma. Todos somos
chamados à obra do Senhor...
-Mas eu quero, irmão Júlio, organizar
um círculo de criaturas elevadas e
sinceras, que apenas cogitem da
virtude praticada, unicamente da virtude praticada!...
-Grande propósito!
-Uma instituição em que as pessoas se
confraternizem, com rigoroso censo de
pureza íntima...Nada de egoísmo,
irritação, incompreensão, contenda...
-Sim, minha filha...
-Um grêmio, em que todos os
associados vibrem pelo padrão do Evangelho...
Pessoas simples e imaculadas, que não
encontrem qualquer obstáculo para a harmonia
de convivência... Verdadeiros
apóstolos do bem... O irmão Júlio está ouvindo?
-Sim, filha, continue...
-Anseio por uma comunidade consagrada
às realizações espíritas sem a mais
leve perturbação. Os médiuns serão
espelhos mentais cristalinos, retratando o verbo do
Alto, como os lagos transparentes que
refletem o Sol. Os diretores governarão as
tarefas, na posição de almas
primorosas, capazes de todos os sacrifícios pela causa da
verdade, e os cooperadores, corretos
e conscientes, integrarão equipe afinada, de
maneira incondicional com os
princípios da nossa Doutrina de Luz...
-Plano sublime!...
-O ambiente lembrará uma fonte viva
de paz e sabedoria em que os justos
desencarnados se sentirão à vontade
para ministrar aos homens os ensinamentos das
Esferas Superiores, com a segurança
de quem usa a instrumentação irrepreensível...
-Sim, sim...
-Aspiro a criação de um conjunto que
desconheça imperfeições e fraquezas,
problemas e atritos...
-Deus nos ouça...
-Entre as paredes da organização que
me proponho levantar, ninguém terá
lugar para malquerença ou desânimo...
Tudo será tranqüilidade e alegria... Nenhuma
brecha para discórdias.
-Que o Senhor nos ampare...
-Um Templo a edificar-se na base de
cooperadores que jamais descerão da
nobreza própria, a ofertarem um
espetáculo permanente de Céu na Terra, para a
exaltação da caridade...
-Sim, sim...
Observando que o amigo espiritual não
se desviava dos conceitos curtos, sem
enunciar opiniões abertas, Dona Clara
acentuou:
-Posso contar com o Senhor?
-Ah! Filha, não me vejo habilitado...
-Ora essa! Por quê?
-Sou um espírito demasiadamente
imperfeito...Ainda estou muito ligado a Terra.
-Mas, recebemos tantos ensinamentos
de sua boca!
-Esses ensinamentos não me pertencem,
chegam dos mentores que se
compadecem de minha
insuficiência...Brotam em minha frase como a flor que desponta
de um vaso rachado. Não confunda a
semente que é divina, com a terra que, às vezes,
não passa de lama...
-Então, o irmão Júlio ainda tem lutas
por vencer?
-Não queira saber minha filha...
Tenho a esposa, que prossegue viúva em
dolorosa velhice, possuo um filho no
manicômio, um genro obsedado, dois netos em casa
de correção... Minha nora, ontem, fez
duas tentativas de suicídio, tamanhas as privações
e provações em que se encontram.
Preciso atender aos que o Senhor me concedeu...
Minhas dívidas do passado
confundem-se com as deles. Por isso, há momentos em que me sinto fatigado,
triste... Vejo-me diariamente necessitado de orar e trabalhar pararestabelecer o próprio ânimo... Como verifica, embora desencarnado,
sofro abatimentos
e desencantos que nem sempre fazem de mim o
companheiro desejado.
-Oh! É assim?
-Como não, filha? Todos estamos evoluindo,
aprendendo...
Dona Clara refletiu um momento e voltou à carga:
-Mas, em algum lugar, haverá decerto uma
associação impecável... Diga, irmão
Júlio, o senhor sabe de alguma equipe sem
defeito, como eu quero? E se sabe, onde é
que ela está?
O espírito amigo, senhoreando integralmente a
médium, pensou também por
um instante e respondeu com a mais pura
ingenuidade que já havia até agora:
-Sim, minha filha, um grupo assim tão perfeito
deve existir... Com toda certeza
deve ser o Grupo de Nosso Senhor Jesus Cristo.
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